Com o intuito de ocupar o tempo ocioso de crianças e adolescentes no contra turno escolar, tirá-los das ruas e com a possibilidade de descobrir e lapidar novos talentos, a Escolinha de Futebol da Rosinha atua desde 2010 na formação de atletas de base
Uma lageana raiz, nascida e criada nos campinhos de areia e grama do bairro Várzea. O amor pelo futebol corre em suas veias e, ao longo de sua trajetória, viveu intensamente tudo o que o esporte lhe ofereceu. Hoje, como propósito de vida, ela acolhe e treina gratuitamente crianças e adolescentes, muitos deles em situação de vulnerabilidade social, dando-lhes esperança de um futuro melhor, longe das ruas e com a possibilidade de jogar profissionalmente em grandes clubes.
Assim é parte da história da educadora física e árbitra profissional de futsal, Rosenéli Pereira dos Santos, a Rosinha, destaque da edição desta semana da série “Orgulho Lageano”. Ela é a penúltima filha de uma família de 13 irmãos e teve o interesse pelo futebol despertado ainda muito nova, aos sete anos de idade. Desde então respira o esporte e leva para a vida experiências incríveis, que somente a vivência com o esporte lhe proporcionaria.
Quando criança, Rosinha não teve a oportunidade de ingressar em uma escolinha de futebol, porque, segundo ela, à época quase não haviam escolinhas voltadas para treinar meninas e o processo foi bem difícil. Logo, aos 19 anos sai de casa para jogar em clubes de outras cidades. Disputou alguns campeonatos estaduais de futsal por clubes como Videira, Caçador, Concórdia, Atlântico de Erechim. “Por conta dessas experiências em campo é que veio minha formação acadêmica e conheci pessoas que me ajudaram a crescer e a cultivar os valores do esporte”, relata.
Trabalhando como árbitra desde 2003, hoje é representante da Liga Catarinense de Futsal em Lages, atua nos Jogos Comunitários de Lages (Jocol) e percorre o estado para apitar os mais diversos jogos.
A Escolinha
Por conta de toda essa trajetória, há quase 15 anos, em 2010, Rosinha encontrou uma maneira de devolver para a sociedade um pouco do que o esporte lhe proporcionou, com a criação do Projeto Escolinha de Futebol da Rosinha. “Cresci vendo a falta de oportunidade para o ingresso das crianças no esporte. Por ser um bairro periférico, as opções nunca foram muitas e, assim que pude, quis levar a eles as possibilidades que eu não tive e hoje dedico boa parte do meu tempo para proporcionar momentos de lazer e ao mesmo tempo disciplina e comprometimento com o esporte”, diz Rosinha.
Com as vivências da própria infância, seu foco é fazer diferente e busca criar vínculos com cada um dos seus alunos, mostrando-lhes o caminho certo a seguir e orientando sobre a vida além da quadra de grama sintética do Complexo Esportivo Jones Minosso, local onde acontecem os treinos. “Eles são os filhos que eu escolhi para minha vida e, cada um com as suas individualidades e bagagem, tem algo a aprender e ensinar. Vê-los crescendo, compartilhando seus sonhos é muito gratificante e o que eu tento fazer é encaminhá-los, pois muitas vezes eles só precisam de um empurrãozinho, de uma orientação sobre os meios para chegar aonde desejam”, acentua a professora.
O início não foi nada fácil e para montar a primeira turma, Rosinha visitava as escolas públicas da cidade para convidar as crianças a participarem do projeto. A primeira turma tinha somente seis alunos e, com o passar do tempo, chegou a atender 120 crianças e adolescentes. Atualmente o projeto conta com 70 alunos na ativa com idades entre seis a 15 anos e os treinos acontecem três vezes na semana.
O projeto sempre foi gratuito, de cunho social e nem sempre foi fácil manter os custos. Em contrapartida, Rosinha afirma que sempre pôde contar com o apoio de amigos. “Desde que foi criado, o projeto sempre se manteve com a ajuda de amigos e familiares com a doação de bolas, chuteiras e coletes. São pessoas que sempre estiveram do meu lado. Alguns pais, quando podem, também contribuem e a única vez que consegui um apoio realmente significativo do poder público foi em 2018, por meio de uma emenda parlamentar da então deputada federal Carmen Zanotto, que possibilitou a aquisição de cem uniformes, cem pares de meia, várias bolas, apitos, bombas de ar e coletes que são cuidados e utilizados até hoje”, aponta.
Da base ao rendimento, com foco nos grandes Clubes
Trabalhando com o esporte de base do sub 7 ao sub 17, hoje muitos dos atletas estão empregados em Clubes jogando fora Lages. “As oportunidades estão aí, eles só precisam de informação, encaminhamento e de pessoas que queiram ajudar de alguma forma. Além dos treinos, procuro encaminhá-los para cursos de preparação para o mercado de trabalho e incentivá-los a tentar o sonho de se tornar um jogador profissional”, diz. Rosinha ainda salienta que sempre busca por oportunidades iguais aos alunos. “Eu sempre digo: se vocês treinarem, vão ficar bons, tudo é um passo a passo, uma coisa de cada vez, por que as oportunidades para avaliações vão surgir sempre”, completa.
O projeto busca a socialização em vários âmbitos da sociedade e um destes está no contato direto com os Clubes profissionais. Para isso, todos os anos são levados cerca de seis a oito atletas para serem avaliados fora de Lages. “Nosso foco sempre foi social, mas nunca deixamos de buscar a oportunidade no esporte de rendimento”, aponta. Hoje a Escolinha já soma 14 atletas jogando em clubes profissionais em suas respectivas categorias, como caso do goleiro Bernardo Petri que entrou pequenininho e agora, aos 17 anos assinou como profissional e joga na equipe adulta do time Grêmio Esportivo Glória, o Glória de Vacaria (RS).
Outros ex-alunos da Escolinha também se destacam como o goleiro Gabriel Medeiros, que atua há dois anos no Figueirense e o atleta William Medeiros, campeão brasileiro em 2024 pelo Jaraguá Futsal. Além destes clubes, há parceria com times como Criciúma, Havaí, Santos e o Coritiba. Neste último haverá possibilidade de levar alguns dos atletas para fazer intercâmbio e treinar com a equipe do Marcet na Espanha. “Isso é muito mais do que eu sonhei e espero poder alcançar esse objetivo junto com eles”, comemora.
Contrapartida social
O projeto é totalmente gratuito e para dar ainda mais ênfase à responsabilidade social dos pequenos e seus familiares, a contrapartida social exigida para o ingresso aos treinos é que os pais ou responsáveis contribuam com a doação de sangue junto ao Hemosc de Lages. “A Matrícula no Projeto só é garantida mediante a apresentação do protocolo de doador de sangue. Cada família deve destinar a doação para nosso projeto no mês em que a criança iniciar na escolinha”, explica Rosinha.
Além da doação de sangue por parte dos responsáveis, os alunos precisam ter bom rendimento escolar e comprovar esse desempenho periodicamente, com o boletim atualizado e com boas notas. Atualmente o projeto atende alunos dos bairros Várzea, Habitação, Caça e Tiro, Universitário e até de municípios vizinhos. “Muitas vezes também realizamos campanhas dentro do projeto para ajudar as famílias mais necessitadas e também para dar algum apoio aos atletas que estão nos Clubes. Com essas ações conseguimos manter os alunos longe das ruas, garantir o bom desempenho na escola e trabalhar com o rendimento”, reitera Rosinha.
Trabalho reconhecido
Ao longo de todos esses anos o projeto já recebeu três homenagens em reconhecimento ao serviço prestado à comunidade lageana. A primeira foi em 2019 com o Troféu Memória Lages, realizado pela CA Esportes. A segunda foi em 2023 pela Câmara de Vereadores de Lages, a qual foi entregue a medalha de Honra ao Mérito "Licurgo Costa", por tudo o que o projeto já fez pelo esporte lageano.
Já em 2024, o projeto e os atletas destaques receberam Moção Legislativa de Aplausos n° 0208/2024 também na Câmara Municipal. “Receber estas honrarias nos encheu de orgulho e nos deu força para continuar o trabalho, sabemos das nossas limitações e ser reconhecido é sinal que estamos no caminho certo”, enfatiza Rosinha.
Para incentivar os alunos a continuarem frequentando o projeto, além de todo o ensinamento do esporte, há momentos de confraternização em datas comemorativas como o Dia da Criança e Natal, com direito à distribuição de doces e presentes, além de ações que visam a saúde e higiene pessoal, como a visita de acadêmicos do curso de odontologia, ensinando boas práticas para a escovação dos dentes.
Projetos sociais como a Escolinha de Futebol da Rosinha fazem a diferença e têm o poder de mudar a realidade dos seus participantes, já que são um ponto de apoio para famílias em situação de vulnerabilidade. A aprendizagem vai muito além do esporte, pois há todo um trabalho de desenvolvimento de disciplina, respeito e trabalho em equipe, devolvendo a dignidade e fortalecendo o senso de pertencimento na comunidade. Quer ajudar o projeto? Entre em contato pelo Instagram: @projeto_da_rosa.
Texto: Silviane Brum
Fotos: Fábio Pavan
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