“Se eu pudesse dar uma dica para as pessoas? Não joguem lixo em lugar errado, é tão simples fazer o certo, não é mesmo?! Ah, e é claro, plantem flores (...)” - dona Eda Nair
Mas, como assim? Uma lanchonete dentro de uma oficina? Tem um lugar dentro de Lages, em uma das avenidas mais movimentadas da cidade, onde o cheiro de graxa e óleo de oficina se mistura com um aroma bem peculiar da casa da vovó da gente. E essa miscelânea de sentimentos acontece por causa da criatividade e ousadia da dona Nair, assim carinhosamente chamada por familiares, amigos e clientes de uma famosa oficina mecânica, o Centro Automotivo Irmãos Neto, situada no bairro São Cristóvão.
Eda Nair da Silva Neto tem 83 anos e é famosa pelo sorriso espontâneo e recheado de hospitalidade. Delicadeza e fragilidade são algumas de suas principais características. Ela é uma daquelas pessoas que a gente conhece e perde a noção do relógio, porque não quer mais sair de perto. Ela tem a voz mansa, sorriso sincero e uma conversa boa em voz baixinha. Não tem pressa de viver, mas muita, muita vontade.
Dona Nair é a responsável pela lanchonete localizada dentro da oficina e em meio a barulhos de motor de veículos em teste, batidas de chave e aparelhos de solda e esmeril, ouve-se gargalhadas, vozes em volume alto e gente querendo abraçar a dona Eda. Este é o enredo da lanchonete, lugar de bem receber clientes e amigos e servir um café, pastéis, pão caseiro, pão de milho e a inesquecível rosca de coalhada, que chega à proeza de tirar a atenção quando está assando no forno. Tem de ver a satisfação dela ao fazer artesanalmente cada alimento servido em sua lanchonete.
Clientes que se tornaram amigos. Amigos que recebem conselhos de dona Nair e um beijo carinhoso a cada chegada e despedida. Parece que eles não veem a hora de vê-la de novo. E nem precisa de carro estragado para arranjar desculpa. Deu saudade da dona Nair? “Bóra” ir ver como ela está.
Embora este já seja um motivo mais que plausível, ainda não é por ele que dona Nair é famosa em vários cantos da cidade. Tem uma atividade paralela ininterrupta em seus dias: A de jardineira.
Sim, ela arranja tempo e concentração para cuidar de dois jardins. O de sua residência no bairro Brusque, com roseiras e margaridas, e uma horta com couves e temperos verdes, e o da avenida Brasil, cuidado com todo o carinho por ela de forma voluntária há mais de 20 anos. Uma missão diária, da rótula com a rua Brasília, até a frente da oficina. Motoristas, pedestres e clientes podem apreciar margaridas, copos de leite, rosas vermelhas e rosas na cor rosa, todos estes tipos cultivados por dona Nair, além de árvores plantadas pela prefeitura, e pés de pêssego e de uvaia, plantados pela comunidade. A família Neto, reforçando o compromisso social levado a outras pessoas dia e noite, fixou uma placa no canteiro com ênfase à proibição de retirada de flores e aviso de filmagem.
Nas estações mais quentes, como o verão de agora, as plantas pedem redobrada atenção. Com o calor excessivo e prolongado do Sol, mais água, aliada aos diálogos e contemplações de dona Nair.
Esta graciosa e amável senhora se nutre de amor e fraternidade para entregar a Lages parte do que a cidade tem lhe ofertado há mais de 40 anos. Nascida na área rural do município de Painel, Fazenda Taquara, dona Nair veio ao mundo no dia 27 de abril de 1941. Perdeu seu companheiro, Joaquim Pereira Neto, há 20 anos. Ele era natural de Rio dos Touros, interior de Urupema. Uma irmã divide a mesma casa com ela. É mãe de sete filhos, porém, perdeu dois. São quatro homens e uma filha, 15 netos e seis bisnetos. Nereu e Iriberto são seus filhos proprietários da oficina.
Esta simpática foi acolhida por Lages há mais de quatro décadas, lugar que conquistou seu coração e onde firmou novas raízes e construiu novas histórias a partir do trabalho e da família.
Sai rigorosamente todos os dias de casa bem cedo já “maquinando” na cabeça os quitutes a serem preparados para os clientes e amigos. “Acorda com as galinhas”, como diz o ditado popular, e faz uma caminhada matinal às seis e meia, de perto da Igreja Nossa Senhora do Navio, até a oficina, na avenida Brasil, perto do cruzamento com a avenida Presidente Vargas. Só volta para casa quando os mecânicos estão quase fechando as portas da oficina, por volta de 19h30min, 20h. Se não, não há quem faça “arredar” o pé de lá. “Gosto daqui, gosto de pessoas, de movimento, de me sentir útil sempre. Meu coração fica aquecido. É um ambiente colaborativo. É bem mais que uma oficina.”
A expectativa de uma mentalidade humana em processo de transformação constante a partir da consciência individual e pelo coletivo aparece como um dos propósitos de vida da dona Nair, uma lição viva e inspiração da sociedade. “Se eu pudesse dar uma dica para as pessoas? Não joguem lixo em lugar errado, é tão simples fazer o certo, não é mesmo?! Ah, e é claro, plantem flores. Vocês não sabem como é bom ver o milagre da vida diante dos seus olhos. A flor embeleza encanta, gera bons sentimentos e pensamentos. Porque tudo começa dentro da mente da gente. Se pensar que vai dar certo já é meio caminho andado. Nada está perdido. Muito pelo contrário, a cada dia temos uma chance de recomeçar e fazer direito desta vez. Plantem um pé de flor e note como o dia fica mais leve, mais bonito para encarar os problemas. A gente sai deste jogo campeão.”
Se ela é feliz com essa rotina repetitiva? Você ainda tem dúvidas? “Sou feliz demais. Tenho filhos bons. Se eu me queixar, sou eu que não presto daí, né?!”, brinca ela, disposta, animada, empolgada, transbordada em saúde. “Eu me sinto bem. Sempre gostei muito de plantar flor. Herdei essa predileção da minha mãe, ela adorava. O que faço significa uma coisa linda e gostaria de multiplicar minhas ações em mais pessoas. Que eu possa ser um bom exemplo. 100% das pessoas me incentivam e eu agradeço. Agora, se alguém tentar arrancar alguma plantinha dali do canteiro, aí eu ‘embrabo’, eu grito. Fora isso, ‘tá’ tudo certo. Eu não faço isso aqui só para mim, faço para as pessoas, para a minha Lages querida.”
Sua família é cautelosa com sua segurança e conforto. Em casa, o jardim precisou ter seu espaço diminuído e deu lugar a um amplo gramado, para dona Nair não ter tanto trabalho. O mesmo ocorreu na avenida Brasil: Atenção ao trânsito na hora de plantar, capinar, adubar e regar as plantas. “Hoje em dia a gente não deixa mais ela capinar. É perigoso. Aí a gente contrata o serviço terceirizado de uma floricultura para capina e manutenção das coroas”, explica o filho Nereu Neto.
A oficina está na avenida Brasil há mais de 30 anos. Tudo começou no bairro Coral, com a primeira estrutura física, endereço que abrigou a empresa familiar por cerca de dois anos. Em seguida a empresa mudou-se para uma área próxima ao Estádio Vidal Ramos Júnior, onde permaneceu também por dois anos, até que surgiu a oportunidade de instalação da unidade atual, com serviços mantidos desde 1990, inaugurada em 1º de dezembro daquele ano.
Texto: Daniele Mendes de Melo
Fotos: Fábio Pavan
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