“(...) enquanto eu puder eu vou continuar fazendo, porque é para o bem. A gente tem que ter amor pelas coisas da gente e da cidade, torcer pelo melhor, pelo sorriso das pessoas.” - Seu Ivandel
Oito décadas de inúmeras histórias guardadas na mochila da vida, com suas alças sustentadas sobre os ombros marcados pela sabedoria transmitida às gerações que chegaram depois, embora as experiências vividas por uma pessoa a tornem única na imensidão do planeta, detentora exclusiva e privilegiada de memórias fotográficas e de vivência.
Todo ser humano é um grão de areia à beira de um oceano infinito até o horizonte onde a vista alcança, mas a junção de vários grãos formam quilômetros de praia. Assim como a fábula do beija-flor. Na floresta viviam milhares de animais. Certo dia a floresta pegou fogo e passou a ser consumida por um grande incêndio. Os animais fugiam apavorados em busca de abrigo e segurança.
Todavia, um pequeno beija-flor voava repetidas vezes, do rio para a floresta com gotas de água em seu bico e as despejava sobre as chamas que atingiam a vegetação. Então uma coruja, que também fugia, passou pelo beija-flor perguntou: “O que você está fazendo, beija-flor?”
O pequeno respondeu: “Não está vendo? Estou trazendo água do rio para apagar o incêndio antes que destrua toda a floresta”. Ao que a coruja retrucou: “Você deve ser maluco! Não vê que é impossível apagar esse incêndio enorme com uma gotinha de água?”
O sábio beija-flor, disparou: “Sei disso, mas estou fazendo a minha parte.” Logo, os outros animais tomaram como exemplo a atitude do beija-flor e, juntos, conseguiram apagar o fogo.
Baseada neste propósito, em 2023, a Organização das Nações Unidas (ONU) elegeu o tema “Acelerando Mudanças - Seja a mudança que você deseja ver no Mundo” para celebrar o Dia Mundial da Água.
Prazer, esta é a nova editoria da Coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Lages, Orgulho Lageano. Histórias de lageanos e lageanas, de berço ou coração, que movimentam a sociedade através de gestos sutis ou mais aparentes em seu meio de convivência. Conheça mais sobre o primeiro personagem.
Na Serra Catarinense existe um exemplar de beija-flor, especificamente ele mora em Lages e já é bem experiente. É ele o homem com oito décadas de vida, mais precisamente 82 anos, que tem feito a diferença em sua cidade, reconhecido pelas pessoas por seu capricho, empatia e altruísmo, em um mundo tão cheio de individualismo e, de certo modo, não menos recorrentes, atitudes de petulância, egocentrismo e egoísmo, aliadas à corrida desenfreada pelo consumismo.
A luta pelo senso de coletividade não padecerá nunca se depender do senhor Ivandel. Assim é a história do seu Ivandel Rogério Córdova. Autêntico. Único. Essencial. Um senhor de olhos azuis expressivos, barba e cabelos brancos aparados, transbordado de lucidez, sensatez e a juventude na gana de viver com brilho no olhar nesta dádiva da viagem no trem da vida com passagem para lindas e misteriosas paisagens e roteiros.
Aquela formiguinha praticamente solitária carregando pedacinhos de folha enquanto as colegas descansam. O que o seu Ivandel aprendeu de forma autodidata nesta vida não se ensina em nem nas mais conceituadas universidades do mundo. Vem de berço, vem do coração, surge da alma. Um senhor de 82 anos com o olhar ingênuo e puro de um menino. Estudou até o terceiro ano do ensino fundamental, a terceira série do ginásio de antes.
Ele é aquele senhorzinho simpático e discreto que a gente vê daquela casa amarela com portões marrons cheias à beira do rio Carahá, em um dos pontos mais movimentados da avenida Belizário Ramos, na altura do bairro Copacabana.
Seu apreço pela simplicidade da vida e o que realmente é valoroso ultrapassa os limites de seus muros e portões. Suas ações são gritos latentes por uma luz no fim do túnel. Diariamente ou sempre que pode, seu Ivandel cumpre o que chama de “gosto” por fazer. Pega sua vassoura já surrada de tantas lidas e sua pá feita de improviso com galhos de árvore e chapa de metal, e segue para a limpeza de sua calçada. Não se vê um papel de bala, sequer um cisquinho de poeira na frente de seu portão. Uma calçada impecável.
E se não bastasse, ele cultiva plantas em um canteiro em frente de casa. Plantas viçosas e robustas, vibrante e alegres, há mais de 20 anos, a erva cheirosa, maravilha e trapoeraba roxa. “Eu limpo o pátio, varro a calçada, cuido das plantas ali de fora. Nós que plantamos e cuidamos. São bonitas, né?! Eu gosto de limpar e manter limpo, faço porque me sinto bem. Eu ‘tô’ quase me entregando de fazer, mas não, enquanto eu puder eu vou continuar fazendo, porque é para o bem. A gente tem que ter amor pelas coisas da gente e da cidade, torcer pelo melhor, pelo sorriso das pessoas.” E ainda aproveita para absorver a vitamina D do Sol, melhorando sua imunidade biológica. “Sou cuidadoso, quando vejo os carros vindo ali na curvinha eu já fico mais atento.” Portanto, o que era para ser um hábito a ser multiplicado, acaba virando motivo de espanto, admiração e até especulação.
Obviamente, dos portões para dentro é um espelho do que se vê na área externa. Quintal limpo e organizado. Plantas ornamentais e medicinais por toda a parte, energizando os ambientes e transformando o clima em qualquer estação. Uma casa e um lote belos visualmente e agradável aos olhos de quem vive e passa pela calçada.
O lageano de coração não abre guarda para críticas. “Têm pessoas que me falaram que acham bobagem eu cuidar da parte de fora do meu portão porque, na visão delas, é obrigação da prefeitura. Mas no meu entendimento não é assim que funciona. A gente tem sempre uma parte no todo. Uma comunidade é feita de união. Para as coisas andarem, todos precisam se ajudar. É como um barco que afunda ou navega com tranquilidade até chegar ao seu destino”, pontua, ao acrescentar: “A mesma opinião vale para uma cidade. Se Lages for bem, todos ganham. Mas os cidadãos, independentemente de idade, devem se sentir pertencentes, uma peça do quebra-cabeça, aquela carta do baralho que falta pra encerrar o jogo e alguém tá escondendo debaixo da manga. As pessoas têm de cooperar, e não atrapalhar. Por outro lado, na contramão, existem as pessoas que ‘gavam’ o que eu faço. Acham bom. Eu não preciso de elogios, somente fazer o que gosto em paz.”
Um baú de preciosidades com olhos azuis
Natural da área rural de Anita Garibaldi, denominado Rio Bonito, entre Lagoa da Estiva e São José, seu Ivandel escolheu Lages para escrever novas páginas da sua vida já vai completar meio século. Lages, sua terra de coração, lhe abrigou quando procurava por emprego, recomeçar, se desafiar em uma nova aventura na cidade grande.
Chegou em Lages quando não existia asfalto. Por onde hoje passam milhares de carros todo os dias, antigamente, na sua época, era gramado. E sim, ele ocupa o mesmo endereço e a mesma casa há quase 50 anos. Moram ele, a esposa, uma filha e uma neta. E como toda pessoa madura, seu Ivandel adora recordar o passado. “Tudo era bem diferente. O nível do chão era baixo, depois é que levantaram um metro para pavimentar. Era gramado aqui, a gente tinha que pular valo. A cidade foi ficando grande, bastante gente, a modernidade chegando aos poucos. E cá estamos.”
Viu muita coisa acontecer no planeta Terra. Viu pessoas nascendo, passando ao plano espiritual, o mundo mudando, guerras acontecendo, pandemias, avanços na medicina. O nascimento e renascimento diário das coisas, das pessoas.
Quando desembarcou em Lages, com a mala cheia de esperança e expectativa, a princípio era para trabalhar em um frigorífico. Foi vendedor de picolé e guarda/vigilante de uma empresa de sorvetes. “Mas o serviço que mais fiz foi o pesado, na construção civil, na função de auxiliar de pedreiro.” Seu Ivandel precisou se aposentar em decorrência do diagnóstico de depressão. Ele utiliza cinco tipos de medicamentos, parte deles destinada a combater e amenizar os sintomas da doença.
Em Lages trabalhou em vários ramos, fez amizades, construiu família. É casado com dona Terezinha de Jesus Córdova, cinco anos mais jovem que ele. Teve seis filhos, mas infelizmente um faleceu. São três homens e duas mulheres em profissões diversas.
Com exceção de uma filha que mora na cidade gaúcha Caxias do Sul, os demais residem pertinho, em Lages mesmo. Seu Ivandel perde a conta de quantos netos e bisnetos têm e, apesar da boa memória e ideias frescas, arrisca alguns números na base do “chutômetro”: “Minha memória às vezes falha. Mas ‘peraí’ que eu vou contar”, diz, enquanto calcula em voz baixinha e conta nos dedos da mãos esquerda. “São 12 netos e quatro ou cinco bisnetos. Agora a senhora me apurou”, confessa, sorrindo. Um baita avô e bisavô, pois “a palavra convence, mas o exemplo arrasta”, do pensador Confúcio.
Quando não está concentrado na limpeza da parte da fachada de casa, não podem faltar seus passeios diários ao centro à tarde, para, como ele mesmo afirma “assistir o pessoal jogar sinuca no Carajá” (um tradicional bar da rua Coronel Córdova), além das manhãs de conversas e os cafés de fim de tarde com a esposa. Questionado sobre o que tem tanto para fazer no centro de Lages todos os dias, ele nem pensa para responder: “É bom ‘pra’ disfarçar a vida.”
Multiplicação de gestos: A conta que só pode dar resultado positivo
O amor, paixão, carinho e respeito à organização do meio em que vive e do meio ambiente, vêm de tempos. Seu comportamento deve ser encarado como aquela plantinha bege cheia de plumas que a gente assopra e seus pedacinhos vão se espalhando pelos lugares. Um contágio de coisas boas sempre é bem-vindo!
Seu Ivandel serve de inspiração e é motivador à sociedade, sobretudo aos adolescentes e jovens, altamente ativos nas redes sociais, sendo possível alternar a vida nas “telas” com uma vida mais participativa em favor do bem comum e da saúde, pois cuidar do meio ambiente significa e depende de preservar a água potável, a qualidade do ar puro, evitar enchentes ao jogar resíduos descartáveis nos locais adequados, praticar a compostagem e estimular a reciclagem. “Agora com essas plaquinhas de conscientização que a prefeitura colocou em trechos da beira do rio deu uma diminuída nos episódios de jogar lixo dentro do Carahá. Já vi até colchão de mola jogado aí. Cansei de juntar lixo, papel e plástico da beirinha do rio. No Centro eu vejo as pessoas jogarem papel de bala, ‘bituca’ de cigarro, lata de refri, no chão, sendo que bem do ladinho tem uma lixeira. Deste jeito a coisa não vai ‘pra’ frente, mas não vamos desanimar. Eu me vejo nesse compromisso, pois eu e minha família também dependemos de um rio mais limpo.”
Na visão de seu Ivandel, não custa uma pessoa comprar um televisão nova e descartar os isopores e o aparelho antigo em lugar apropriado, bem como sofás velhos, armários, camas, louças sanitárias e resíduos (entulhos) de obras.
Um conselho do seu Ivandel? “Quem sou eu ‘pra’ dar conselho ‘pra’ alguém: Cada um faz o que bem entender da sua vida. Eu vivo sossegado com as minhas decisões, mas se alguém achar vantagem e cuidar da sua calçada, da sua rua, fique à vontade. Vai perceber o bem que faz para a mente, corpo e alma.”
Texto: Daniele Mendes de Melo
Fotos: Fábio Pavan
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