Fundamental a compreensão da menstruação como um processo humano e natural
Pelo contrário do possível e permissível imaginável, não raro o constrangimento de garotas e mulheres adultas em não possuir um absorvente higiênico dentro da mochila ou da bolsa em seu período menstrual por falta de condições financeiras para adquirir o produto e, por consequência, não poder desempenhar tranquilamente as tarefas do dia a dia na escola ou no ambiente de trabalho sem desconfortos e, ainda, temer um eventual escape nas roupas que lhe causará mais mal-estar, e correr riscos de saúde, como disfunções e infecções, por adotar métodos emergenciais a manter a rotina mais próxima do comum, e de improviso a coibir imprevistos. Para evitar este tipo de problema recorrente e proporcionar maior dignidade ao público feminino, em Lages foi idealizado o projeto Ciclos da Vida, pela sensibilidade da professora de matemática, Marcela Balastrin, e da pedagoga Débora Aparecida Rosa, e como convidada a ser parceira, a psicóloga Deise Zonta.
Não consiste exclusivamente em uma iniciativa para atender meninas pré-adolescentes, adolescentes, jovens e mulheres da rede pública municipal de ensino de Lages, mas a todas aquelas com a necessidade de receber os absorventes, ou seja, um grupo de meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade econômica e social. São beneficiadas meninas desde a menarca (primeira menstruação), até as mulheres ainda em idade menstrual, limitando-se ao número de pacotes doados e arrecadados. Estima-se que, em média, mais de mil pacotes já foram repassados ao público-alvo.
Donativos são captados e transferidos às pessoas e instituições que procuram o projeto, mediante sua demanda. As doações são concedidas esporadicamente, ou onde ficam as caixas de coleta, nas instituições parceiras do projeto, por isto não há um número exato de pacotes já ofertados. A periodicidade funciona de acordo com a atitude de cada pessoa ou instituição que decide transmitir os itens. A Secretaria Municipal da Educação apoia como um dos pontos de recolhimento.
Além de direcionar os absorventes provenientes de doações, a equipe do projeto está disponível para explanações pertinentes à saúde da mulher, sagrado feminino e pobreza menstrual, entre outros temas afins. Há disponibilidade para participação em rodas de conversa em escolas e instituições.
As contribuições recepcionadas até agora foram destinadas a vários Centros de Educação Infantil Municipal (Ceims), Escolas Municipais de Educação Básica (Emebs) e casas espíritas, entre os quais, Ceim Nossa Senhora do Caravágio, situado no bairro Caravágio; Emeb Professor Osni de Medeiros Régis, bairro Tributo; Emeb Aline Giovana Schmitt, bairro Guarujá; Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae)/Escola Raio de Sol, centro de Lages; Centro Espírita Operário da Caridade, localizado no bairro Frei Rogério, e projeto Kombi Musical, de Bocaina do Sul. Às mães acompanhantes de crianças no Hospital Seara do Bem - Materno e Infantil e a auxiliares de sala de Ceims do município de Lages.
Através do perfil na rede social Instagram - @ciclosdavidamulher - são divulgadas informações inerentes à mulher, e por este pode ser estabelecido contato de interessados em prestar auxílio: Comentários em postagens ou mensagens por direct. “O projeto não tem fins lucrativos. A difusão na rede social e o diálogo são os meios de angariar parcerias ao longo no caminhar”, salienta uma das idealizadoras, professora de matemática, Marcela Balastrin.
Uma linda atividade nascida no caos da pandemia
O projeto Ciclos da Vida principiou e despontou nos tempos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), em 2020, quando houve a reflexão relacionada à problemática da dificuldade de meninas e mulheres no acesso ao item básico e indispensável ao cotidiano, o absorvente higiênico. “E como uma forma de agradecer por ter vencido a doença na época e a todos os percalços decorridos do vírus, decidimos então devolver o bem recebido à sociedade de alguma forma”, explica uma das idealizadoras do projeto, professora de matemática, Marcela Balastrin.
As inspirações surgiram do diálogo em torno de como meninas e mulheres deixavam de ir à escola ou ao trabalho por falta do absorvente no período menstrual, o medo de passar vergonha com um escape nas roupas devido ao grande preconceito que ainda há a respeito da menstruação ou por não ter condições financeiras para adquirir este utensílio essencial para as meninas e mulheres. “A naturalização deste tema precisa ser dialogada desde antes da primeira menstruação, nas famílias, escolas e instituições. Conscientizar mulheres de todas as classes sociais, étnicas, econômicas e culturais, sobre a importância do autocuidado e o desenvolvimento da autoestima, por palestras acerca de determinados temas, como autocuidado, sagrado feminino, sexualidade, espiritualidade, empoderamento feminino e feminismo”, conclui Marcela.
E no restante do Brasil?
O relatório “Pobreza menstrual no brasil: Desigualdades e violações de direitos”, propagado pelo Fundo de População das Nações Unidas, em maio de 2021, aponta que 5,74% das estudantes não dispõem de condições mínimas para cuidados com higiene pessoal. O governo federal está trabalhando com a resolução de oferecimento de absorventes e o Governo do Estado de Santa Catarina tem a entrega em sua pauta.
Diversas instituições no país, da mesma forma, iniciaram projetos como o lageano Ciclos da Vida, não somente em torno da transmissão de absorventes comuns, mas de outros modelos, sustentáveis ou de acordo com a precisão da mulher. “Estamos contentes pela ideia ser disseminada pelo país”, comemora Marcela Balastrin, uma das idealizadoras do projeto Ciclos da Vida.
O Ministério da Saúde (MS) informou em 8 de março de 2023 que iria assegurar a oferta de absorventes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), com foco na população abaixo da linha da pobreza. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, assinou, no dia 8 de março deste ano (Dia Internacional da Mulher), o decreto nº: 11.432, de 8 de março de 2023, regulamentador da Lei Federal nº: 14.214, de 6 de outubro de 2021, instituidora da criação do Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual. Aproximadamente oito milhões de pessoas serão beneficiadas pela ideia, com previsão de investimentos na ordem de R$ 418 milhões por ano.
A nova política pública segue os critérios do Programa Bolsa Família, incluindo estudantes de baixa renda matriculados em escolas públicas e pessoas em situação de rua ou de extrema vulnerabilidade social. Também serão atendidas pessoas em situação de privação de liberdade e em cumprimento de medidas socioeducativas. Acrescenta-se que o Programa, voltado a todas as pessoas que menstruam, alcançará mulheres cisgênero, homens trans, pessoas transmasculinas, pessoas não binárias e intersexo.
Na segunda semana de março, o Ministério Público Federal (MPF) reforçou um pedido na Justiça para a União apresentar um plano de distribuição de absorventes a estudantes de baixa renda da rede pública, a mulheres em situação de vulnerabilidade social extrema, a detentas e a jovens em conflito com a lei internadas, em razão da urgência de desenvolvimento da política. O encaminhamento está garantido pela Lei Federal nº: 14.214, de 6 de outubro de 2021.
A entrega mensal de absorventes higiênicos para 64 mil estudantes da rede pública estadual de ensino - Santa Catarina -, pelas próprias unidades de ensino, começou em 18 de abril de 2022, contemplando alunas com mais de dez anos e inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal.
A Lei Estadual nº: 18.308, de 27 de dezembro de 2021, institui o Programa de Distribuição Gratuita de Absorventes Higiênicos para as Estudantes de Baixa Renda em Ciclo Menstrual Matriculadas na Rede Pública Estadual de Ensino. Secretaria de Estado da Educação, responsável por desenvolver, nas escolas, ações pedagógicas envolvendo os temas de ciclo menstrual, dignidade e pobreza menstrual - projeto Segue o Fluxo! Absorva essa Ideia, executado pelo Núcleo de Prevenção às Violências na Escola (Nepre), com cartilha aos profissionais da rede.
Texto: Daniele Mendes de Melo, incluindo informações da Agência Brasil
Fotos: Marcello Casal Jr./Agência Brasil/Divulgação e Divulgação
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