A função do cronista oscila entre uma circunstância e outra. Em outras palavras, é preciso desatar (ou inventar) um desses nós que fornecem substância ao existir
Terminei a tarefa por essas bandas. Foi (mais ou menos) bom enquanto durou. Depois de trinta e oito longos e intermináveis anos de serviço público, estou me aposentando. Mas, antes que alguém comece a soltar fogos de artifício, iluminando o céu plúmbeo da aldeia, aviso que a aposentadoria só vale para o funcionalismo. Ainda não encontrei um antídoto para essa maldição que chamam escrever. Então, para suplício de meia dúzia de inimigos, continuarei maltratando a língua portuguesa lá no https://raulealiteratura.blogspot.com/.
O exercício da crônica não é exatamente tomar café com bolinho frito no meio da tarde. A vida está repleta de episódios emocionantes com grandes intervalos de tédio. A função do cronista oscila entre uma circunstância e outra. Em outras palavras, é preciso desatar (ou inventar) um desses nós que fornecem substância ao existir. Além do senso de observação sobre o que está acontecendo ao redor (e alhures), faz-se necessário aproveitar o momento. O que hoje parece ser uma boa história, amanhã não servirá sequer para embrulhar o peixe. Claro, se tiver peixe. E, como se sabe, nem tudo que cai na rede é peixe. Muitas vezes, se obtém muito... ah, deixe para lá, que do desastre devemos manter distância, inclusive para evitar o uso da palavra peixe quatro vezes no mesmo parágrafo.
Mas, em algumas oportunidades, por mais que o cronista se esforce nada se consegue de bom (ou, vá lá, de razoável). Por isso, urge encontrar o socorro nos arquivos implacáveis. Reciclar um texto antigo (quanto mais antigo, melhor) é uma forma desesperada de tirar coelho da cartola. Ou seja, aquele que possui um arquivo com publicações de outras épocas jamais passará pelo vexame de ter que enfrentar o exercício de criatividade impulsionado pelo desespero. O “dead line” (data da entrega do texto) é o principal inimigo dos fracos. E, preciso confessar, jamais fui forte. O que me salva aprendi com o teatro, aquela coisa de interpretar um personagem, tentar fingir que estamos destinados à superação, à redenção, ao negar a rendição. Isso não tem preço. Mas se mostra extremamente valioso para quem quer sobreviver na selva onde brotam invejosos e incompetentes a todo instante.
Alguém assumirá a função de cronista neste espaço e continuará a tarefa de entreter o distinto público. Ou não. Talvez seja a hora de adotar o ChatGPT, esse Frankenstein pós-moderno que deve, mais cedo ou mais tarde, substituir aqueles que escrevem. De minha parte, quero limpar as gavetas e ir embora. Para onde? Não sei. O que sei é que me perguntaram sobre o que farei quando não mais precisar levantar antes das seis horas da manhã. Para isso tenho resposta. Provavelmente vou dormir um pouco mais. Quer dizer, nos momentos intermediários continuarei lendo e escrevendo. Tenho dívidas e dúvidas – e acredito que a literatura é um portal que leva ao lugar onde todos os mistérios são revelados. Em caso de engano, cabe corrigir a rota e seguir na procura.
Imagino-me nos próximos meses, no período da manhã, caneca de chá na mão, sentado no sofá, olhando para os livros presos nas estantes do escritório. Entre um gole e outro do líquido morno, sonharei. Com quê? Isso não tem a mínima importância – exceto se for um bom palpite para jogar no bicho.
É isso. Tchau!
Texto: Raul Arruda Filho
Agora Ficou mais fácil e Rápido Encontrar o que Você Precisa!