Depois disso, seguiu-se um período de assustadora tranquilidade. As aventuras da tela foram superiores às desventuras da vida. Com frio, ele pediu para sentar no colo e assim, deitado no meu peito, continuou se divertindo com as trapalhadas que estavam acontecendo na tela grande
Fomos assistir um desses desenhos da Disney. Despesas por minha conta, apesar do saldo bancário assinalar níveis próximos da falência.
Como é de conhecimento geral, sair com filho pequeno implica em carregar mochila com o básico: muda de roupa, sandália, salgadinhos diversos e, talvez o item mais importante, um urso de pelúcia (no caso, o Godofredo, mundialmente conhecido como “Godô”).
Em ritmo caracol (carregando a casa nas costas), estávamos quase chegando à bilheteria, quando... Um pequeno obstáculo: comida. Depois do “nutritivo” lanchinho, o cinema. Ingressos na mão, parada obrigatória na bomboniere (balde de pipocas, chocolate e refrigerante).
Quando, finalmente, sentamos nas poltronas e joguei a mochila no chão, sobraram alguns segundos para olhar a plateia. Claro, dezenas de crianças. E... oba!, algumas mães. Uma pequena compensação para essa vida de pa(i)trocinador!
Nesse momento, o menino começou a me contar uma história comprida sobre alguma coisa que aconteceu na escola. Confesso que não prestei muita atenção. Meu pensamento estava distante, em um tempo já perdido, quando morávamos juntos e a dor era apenas um trecho tolo de um romance de segunda classe.
A salvação veio com o apagar das luzes e o início da sessão. Ao mesmo tempo em que a tela era invadida pelas cores da projeção, fingindo limpar os óculos com lenço de papel, sequei os olhos úmidos. E − que remédio? − mergulhei nas pipocas, aquilo tudo estava me deixando com fome!
Uns quinze minutos de projeção e o primeiro problema: “pai, quero fazer xixi!”. Fomos procurar o banheiro. Na volta, ao tentar localizar o nosso lugar, não vi o pé de uma senhora. Constrangido, pedi desculpas.
O segundo problema foi quase imediato: com o menino entupido de pipocas, a sede era uma questão de tempo. Fui buscar refrigerante. O que se seguiu pode parecer brincadeira. Não foi. Pisei, outra vez, no pé daquela adorável criatura. O palavrão que ela pronunciou foi ouvido no outro lado da cidade. Pedi perdão, novamente. Na volta, tomei o maior cuidado para não repetir a cena. Mas levei o troco, ou melhor, uma rasteira. Só não beijei o chão por pouco, muito pouco. Coisas da vida, pensei, enquanto tentava enxugar as mãos molhadas de refrigerante.
Depois disso, seguiu-se um período de assustadora tranquilidade. As aventuras da tela foram superiores às desventuras da vida. Com frio, ele pediu para sentar no colo e assim, deitado no meu peito, continuou se divertindo com as trapalhadas que estavam acontecendo na tela grande. Foi fantástico sentir os meus braços em torno do seu corpo, as mãos acariciando-lhe o rosto e os cabelos.
Terminado o filme, fomos comer pastel, tomar sorvete, ver as lojas (na livraria demorei uma eternidade, reclamou o menino).
Quando voltamos para casa, estava escurecendo. No ônibus, abraçado ao Godô, o menino dormia. Desejei poder repetir aquele dia outras vezes.
Texto: Raul Arruda Filho
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