Crônica de Sábado: Ano Novo e Vida Nova, segundo o Betão da Penha
07/01/2022 15:34:23
Crônica 07/01/2022 15:34:23
Crônica de Sábado: Ano Novo e Vida Nova, segundo o Betão da Penha
A primeira providência no novo endereço (e provavelmente o principal motivo para o retorno ao bairro) foi uma imensa, espetacular e fantástica festa de reveillon
Nos últimos dias do ano, Adalberto Medeiros Silva e Souza, também conhecido mundialmente como Betão da Penha, abandonou o subúrbio e foi morar no centro da cidade. Ninguém entendeu nada. A perplexidade aumentou quando, uma semana depois, o caminhão de mudanças trouxe tudo de volta. A vizinhança, movida pela fofoca, inventou algumas histórias para tentar explicar os fatos.
De acordo com Marinalva Sandoval, tudo estava resumido em três palavras: golpe do baú. E explicava: Eulália, viúva e rica, que morava ali na outra esquina, tinha sido enganada pelo cafajeste. Em momento de pura insanidade transferiu em cartório parte de seus bens para o patife. Agora que as chamas da paixão haviam se transformado em cinzas, o safado decidira aproveitar a vida, longe do local do crime.
Pedro Sargento (homem de mau humor e péssima reputação, suspeito de envolvimento em vários tiroteios) tinha outra versão. Disse para quem quisesse escutar que tivera uma conversa séria com Betão e o fizera refletir sobre a vida (e a morte). Aconselhou o sujeito, antes que a desgraça acontecesse, que era melhor passar um tempo longe do bairro. Precisei proteger Maria das Graças, minha filha caçula, explicou para os clientes do bar Grenal.
Os boatos também mencionavam o tumultuado romance entre Betão e a socialite Elizabeth Macarrônica. A madame estava exigindo dedicação integral do namorado. Após prometer um mundo sem fundo, e muito mais, Elizabeth providenciou a mudança (além do endereço, queria transformar o namorado em homem civilizado, desses que frequentam clubes sociais, usam roupas de grife e aparentam ser inteligentes). Seja qual for o motivo, Betão de Penha, com suas bombachas sujas, folha de capim no canto da boca e chinelo de dedo, mudou−se de mala e cuia para um desses cortiços verticais que chacoalham o coração da cidade.
A primeira providência no novo endereço (e provavelmente o principal motivo para o retorno ao bairro) foi uma imensa, espetacular e fantástica festa de reveillon.
Betão convidou para o evento os mais variados exemplares da fauna e da flora regional.
A música, uma mistura de sertanojo natibesta com roquinrol aborrecente, acordou o quarteirão inteiro. Um dos vizinhos, Frederico Antunes, perdeu a paciência e foi reclamar. No corredor, ao ver a movimentação, principalmente as garotas vestindo shorts minúsculos, perdeu a razão e abriu a lata de cerveja que, como um passe de mágica, alguém colocou na sua mão.
No melhor da bagunça, a festa foi interrompida por gritos furiosos. Ao notar a ausência do "com azar" no tálamo conjugal, a digníssima consorte de Frederico não pensou duas vezes e foi tentar impedir que o canalha se transformasse em Fred, o pobre. Sabia que o marido não resistia a um rostinho bonito. Fato que se comprovou quando, naquele antro de indecências, viu o marido obnubilado pela exuberância calipígia de Adriana Toda Hora.
Disposta a mostrar com quantos paus de macarrão se faz uma briga, a megera só se acalmou quando acertou o marido com o primeiro vaso que encontrou ao alcance da mão.
Foi um estrago. Frederico caiu desmaiado, sangue escorrendo pela testa, gritos histéricos dos convidados em fuga, sirene policial, ambulâncias, vinte pessoas presas, o inferno tomando conta de tudo.
Betão da Penha, do outro lado da rua, apoiado no balcão da lanchonete, tomando refrigerante, assistiu ao espetáculo com um sorriso satisfeito no rosto.
Texto: Raul Arruda Filho
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