Uma de nossas conversas recorrentes era sobre a insensatez da programação de filmes, nos canais de televisão
Trabalhei com o jornalista Estevam Borges por uns cinco anos na área de Comunicação Social da Prefeitura do Município de Lages.
No meu imaginário, ele sempre aparece sentado, atrás de uma mesa. Algumas vezes a mesa é de boteco e ele está bebendo cerveja, em uma dessas tardes aborrecidas de sábado. Em outras ocasiões, a mesa é a de trabalho e diante dele estão milhares de pastas de arquivos, revistas, recortes de jornais, livros – tudo espalhado em desorganizada ordem. Em uma mesa menor, ao lado, uma máquina de escrever pré-histórica – talvez aquela em que ele redigia o boletim diário do jornalismo (definitivamente o pior serviço da repartição).
Nos momentos de folga, Estevam concedia generosos “dedos de prosa”. Com uma diplomacia muito superior àquela praticada pelo Itamarati, ensinava aos mais jovens alguns truques de sobrevivência na selva do jornalismo.
Uma de nossas conversas recorrentes era sobre a insensatez da programação de filmes, nos canais de televisão. Como naquela época a televisão a cabo não nos era acessível e os canais de streaming ainda não existiam compartilhávamos a convicção de que a Rede Globo travava uma conspiração contra os cinéfilos em geral e, mais importante, contra nós dois em particular. Bastava olhar a grade de programação nos jornais para confirmar as nossas certezas: em horários “assistíveis” só passava “bomba”; “filmaço” só no meio da madrugada! Para quem precisava “bater o ponto”, cinco vezes por semana, às oito horas da manhã (o nosso caso), era impossível (re)ver As Noites de Cabiria(Dir. Federico Fellini, 1957), A Malvada (Dir. Joseph Mankiewicz, 1950) ou O Tesouro de Sierra Madre(Dir. John Ford, 1948), entre outras tantas preciosidades.
Em algum momento, numa dessas noites intermináveis, a Globo exibiu o melancólico Caro Diário (Dir. Nanni Moretti, 1993). Sem sono, cheio de sonhos, assisti ao filme bebendo Coca-Cola e comendo biscoitos recheados. Foi uma festa, apesar dos farelos espalhados pela cama e pelo chão do quarto.
Quando tudo terminou, lá pelas 04h30min da madrugada, não pude deixar de me lembrar do mestre. Embora não acredite nessas coisas, suspeito de que ele também estava assistindo ao filme.
Texto: Raul Arruda Filho
Foto: Toninho Vieira
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