A integralidade dos serviços da Assistência Social no Brasil está ligada à escuta igualitária para tratar problemas físicos e psicológicos, ao resgate dos vínculos sociais afetivos, à valorização do ser humano e à autonomia, com o intuito de restaurar pessoas e que sigam por novos rumos com dignidade
A Constituição Federal, promulgada no século passado, em 1988, com instituição do Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna e pluralista, trata, em seu artigo 5º, de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Em seu inciso XV, diz: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.” Portanto, compreende-se direito igualitário a todos os brasileiros, sem distinção.
Em Lages, a Praça Joca Neves está posicionada em um dos lugares mais bonitos da cidade, tem espaço suficiente para a criançada correr, brincar, jogar bola, pedalar suas bicicletas. Um ambiente ideal para um passeio entre amigos com uma toalha sobre a grama e um violão, tomar chimarrão, fazer um pique-nique. A jardinagem está sempre revigorante.
A Praça possui uma colorida Academia da Melhor Idade (A.M.I.) e parque infantil com escorregador, balanço e gangorra. As pessoas que têm suas casas ao redor da Praça rasgam elogios e enchem os olhos de brilho quando falam do amor de ter viver ali. E o direito de aproveitar este espaço público é de todos, de quem vive em Lages e de quem a coloca em seu roteiro de passagem ou viagem turística.
E para que a finalidade se cumpra de modo justo, uma medida foi tomada para conter e impedir novas ações que estavam provocando reações desagradáveis, atrapalhando a ordem e a normalidade da vida de moradores e comerciantes da região da Praça Joca Neves, no centro da cidade, local concentrado entre as ruas Manoel Thiago de Castro, Afonso Ribeiro e Otacílio Vieira da Costa. A prefeitura de Lages, através da Secretaria de Serviços Públicos e Meio Ambiente, instalou grades metálicas de proteção na Concha Acústica, espaço de palco reservado para apresentações artísticas, culturais, esportivas, de promoção à saúde e de lazer à população, e que estava tomada por pessoas em situação de rua, principalmente no período da noite e madrugada até o amanhecer, pois pernoitavam naquele ambiente coberto, cujas queixas de populares relatam cenas de gritos, confusões, brigas, assédio moral, prática de sexo, prostituição, consumo e tráfico de drogas e até pequenos delitos e furtos.
Ou seja, havia alto risco de perigo para moradores, comerciantes e visitantes (casais, famílias, crianças e esportistas) e a tranquilidade estava nitidamente ameaçada durante dia e noite, conforme depoimentos dos próprios residentes daquela área. As grades fixadas possuem cadeados para impedir a entrada e permanência no local e são removíveis na realização de eventos de interesse coletivo. “Fundamental salientar que a decisão tem como objetivo também a segurança destas próprias pessoas em situação de rua, pois estamos em plena crise do novo coronavírus (Covid-19) e vivendo sob regulamentações de decretos estaduais e municipais que mudaram totalmente nossas vidas. Estas pessoas estão mais suscetíveis aos efeitos da falta do uso de máscara, higienização permanente com álcool gel e distanciamento social. A definição foi estabelecida para cuidar de todos ao mesmo tempo e nossos mecanismos de acolhimento estão à disposição com todo carinho e qualificação técnica“, ressalta o prefeito Antonio Ceron. O secretário de Serviço Públicos e Meio Ambiente, Fernando Amaral, esclarece que as grades foram colocadas na Concha Acústica a pedido do prefeito Antonio Ceron em decorrência de que há muito tempo a comunidade e moradores não conseguiam frequentar a Praça com tranquilidade.
Há cerca de 30 dias, servidores da Secretaria de Serviços Públicos estiveram na Praça para uma limpeza geral, quando foram recolhidos colchões e cobertores em más condições de uso, entre outros materiais abandonados e lixos descartados incorretamente, como garrafas pet, garrafas de bebida alcoólica (vidro), copos plásticos, xepas e carteiras de cigarro e embalagens, pois todas as praças e parques da cidade devem estar em estado satisfatório para uso por parte da população. “E foi feita a limpeza para a própria segurança destas pessoas que estão sem ter onde morar. É perigoso ficar dormindo ali, ainda mais em tempos de pandemia do novo Coronavírus, em que se faz indispensável o distanciamento social e no caso delas não havia. Além destes fatores, a Praça Joca Neves é um dos cartões postais de Lages e o turista merece estar em um lugar limpo, organizado, arborizado e com paisagismo em dia para conhecer. Quem não convive com estes problemas no contexto daquela realidade pode acabar julgando e tecer críticas, mas pode se colocar no lugar de um pai ou mãe que gostaria de levar um filho para andar de bicicleta ou brincar no parquinho ou uma pessoa idosa que queira se exercitar na Academia da Melhor Idade, não se sentindo à vontade e seguro para ir”, lembra Fernando Amaral.
Empatia não é apenas uma palavra da moda por causa da pandemia, mas sim um sentimento levado ao pé da letra e à risca pelo órgão público municipal. “A prefeitura não é contra a permanência das pessoas em situação de rua na Praça. Nós entendemos perfeitamente a situação individual, pois cada um tem a sua história de vida na particularidade, o seu sofrimento, seus dramas, suas tristezas e motivos, e aconselhamos a procurarem um dos dispositivos de acolhimento oferecidos pelo Município (duas unidades do Serviço POP e Abrigo Temporário de Prevenção à Covid-19 na Praça do CEU (Estação Cidadania)), todos dotados de diretrizes disciplinares de comportamento, convívio e respeito, onde poderão usufruir de todo o suporte para bem-estar físico, intelectual e psicológico. Há uma rede de apoio completa e preparada para recebê-los.”
Moradores desejam sossego nos seus lares e o bem de quem está fragilizado
Conhecida popularmente como a “Síndica da Joca Neves”, dona Mercedes Webber dos Santos não poupa sedas para expressar as características da Praça que mais lhe encantam. Uma casa grande com jardim todo aparado e de dar gosto para quem passa de carro ou a pé pela Manoel Thiago de Castro. Na parte da frente moram ela, a filha e um neto, e na casa de trás dois netos com seus pais.
Em frente à residência, a professora aposentada de 76 anos, apesar dos afazeres diários, arranja tempo para admirar o local em dias de Sol, onde mora há mais de 30 anos. Entristecida com os fatos, ela denuncia situações de assédio, prostituição, tráfico de drogas, a perturbação com gritos de mulheres e cães infestados com pulgas e sarna. Porém, está esperançosa com as grades, que devem ser sinônimo de alívio à tensão. “O Facebook hoje estava me perguntando ‘no que você está pensando?’, e me deu vontade de escrever sobre as grades da Praça, dar minha opinião, pois sou livre para isso: A prefeitura tomou a atitude mais correta que existe, dentro de uma cidade, protegendo os moradores desta Praça, que é um lugar familiar. Sinto gratidão. A prefeitura cuida muito bem desta Praça. Infelizmente, não pude mais fazer a minha caminhada, tenho problemas no joelho e por causa da pandemia não pude mais ir fazer a fisioterapia e ir à academia. Ele vêm pedir coisas e dinheiro o dia inteiro. Têm hábitos de falta de higiene nos aparelhos da academia ao ar livre e como as pessoas vão usar depois? Chegaram a fazer churrasco embaixo daquele pinheiro e teve um princípio de incêndio. Há dias que têm umas 12 pessoas ali. Compartilham as mesmas roupas de cama, cantam alto até tarde. Ficam na porta do mercado pedindo dinheiro e é triste saber que é pra comprar bebida. Sem julgamentos, apenas desejamos o bem deles. Estão alcoolizados, doentes e nem sempre aceitam ajuda para sair dessa vida. Rezo por eles.”
Mesmo assim, ela não esquece a solidariedade. “Alguns deles me chamam de mãe. Já dei desde cobertor até garrafa térmica. E tem um deles com toda educação, ao qual sempre estou instruindo para melhorar de vida, fazer as coisas certinhas. Ofereço trabalho, uma manutenção em alguma coisa da casa.”
Com este papel de cidadania, dona Mercedes dá sua contribuição à sociedade e chega ao ponto de orientar as pessoas em situação de rua em bem aplicar o valor de R$ 600 do auxílio emergencial que recebem do Governo Federal em alimentos, e não em bebidas alcoólicas ou cigarros. “Todos aqui me conhecem e eu conheço as pessoas pelo nome. Moro num lugar privilegiado, limpo, com natureza exuberante, os passarinhos cantam às 5 horas da manhã. É uma obrigação que todos temos de ter, ajudar a conservar e querer o bem de um cartão postal.”
Bem perto dali, na mesma rua, poucas casas para trás, ele, que trabalha em uma oficina mecânica no bairro Coral, o senhor Almeides Alves Neto, reside em frente à Praça, na rua Manoel Thiago de Castro, já há oito anos. O mecânico relata ter presenciado as brigas constantes à noite, por parte dos homens que ficam pela Praça Joca Neves. “Eles começam a se desentender lá na frente e vão chegando pra cá, com pedras na mão, vêm discutir e gritar na calçada. A gente tem medo de atirarem uma pedra e acertar alguma janela da casa, tenho criança em casa dormindo e a gente precisa descansar pra no outro dia estar inteiro para trabalhar. O uso de drogas também assusta”, reclama o morador, que mora com a esposa, a costureira Mari Alves de Moura, e as filhas, de dez meses e 11 anos. “Agora com as grades na Concha a gente fica mais aliviado, esperamos que eles se dispersem e utilizem os serviços de alojamento. A gente ajuda como pode porque compreende a situação, mas também temos que preservar nossa rotina em paz. Ajudamos como podemos, com doação de comida, cobertores.” Com o barulho e a apreensão, há moradores que não conseguem dormir direito. “Esses dias fiquei acordada até quase amanhecer o dia, de preocupação”, conta Mari.
A caixa de uma loja de embalagens e artigos de festa, Luana Cardoso, comenta que algumas destas pessoas em situação de rua entram na loja e pedem dinheiro às funcionárias e clientes, por vezes são insistentes. A trabalhadora acredita que as grades vão modificar o cenário e melhorar a situação. “Creio que funcione”, resume.
Já a vendedora Karoline Casagrande, de uma loja de colchões e outros artigos de cama, pontua que as pessoas que circulam pela Praça não incomodam colaboradores e nem fregueses deste estabelecimento comercial. ”Faz dois anos que trabalho aqui e nunca tive problemas com eles. Mas imagino que com o tempo talvez eles se afastem da Praça e talvez aceitem que precisam de ajuda e irem para um lugar seguro e com as condições das quais necessitam para reconstituírem suas vidas e seus sonhos. Espero que eles se adéquem às regras da sociedade, já que para eles foi difícil entrar no ritmo das normas da própria casa. Em Lages eles possuem boas opções de amparo.”
E onde, então, estas pessoas podem pedir socorro, ser ouvidas e ajudadas?
Abrigo temporário para cuidar das pessoas que não têm para onde ir nestes tempos de coronavírus
A Prefeitura de Lages, por meio da Secretaria da Assistência Social e Habitação, através da Diretoria de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, iniciou, no dia 20 de março, o desenvolvimento do Serviço de Proteção em Situações de Emergências, o Abrigo Emergencial da Covid-19, por conta da prevenção à expansão à pandemia do novo coronavírus. Este serviço está destinado às pessoas em situação de rua, sob risco e vulnerabilidade social.
O Abrigo está localizado na Praça do CEU (Estação Cidadania), no bairro Universitário, onde o público-alvo é recepcionado para ter o pernoite, com portas abertas diariamente, das 18h30min às 7h do dia seguinte. São ofertados banho, jantar e café da manhã.
Após saírem do acolhimento temporário de emergência, as pessoas seguem para o Centro POP (bairro Copacabana) para receber todo tipo de atendimento, desde recebimento de alimentação, doação de roupas, banho e fornecimento de passagens para retorno as suas cidades de origem, até encaminhamentos diversificados por equipe técnica especializada.
Em vista desta situação, o município de Lages desencadeou várias ações e operações para minimizar e proteger e apoiar a população que se encontra em situação de vulnerabilidade. O Serviço de Proteção em Calamidades Públicas e Emergência consiste em um serviço de proteção especial do Sistema Único da Assistência Social (Suas) para enfrentamento de situações de calamidades públicas reconhecido pelo Governo Federal, conforme descreve a diretora de Proteção Social Especial de Alta Complexidade, assistente social, Maria Tereza Ternes Bayer.
Abrigo de Inverno novo no Centenário
Sobre o Abrigo Temporário de Inverno, estação que iniciou no dia 21 de junho, o secretário da Assistência Social e Habitação, Valdir Gobbi, adianta que a Secretaria está restaurando um espaço e adaptando suas instalações para promover a estruturação destes trabalhos e para “incrementarmos espaço para o Abrigo Temporário de Inverno, já prevendo áreas reservadas para pessoas com sintomas da Covid-19 e que necessitem de isolamento em quarentena”. Este ambiente está situado no bairro Centenário, em espaço próprio do Município, na estrutura do antigo Centro de Referência de Assistência Social (Cras II), no mesmo terreno do atual Cras II, Centro-Dia do Idoso e da Unidade Básica de Saúde (UBS).
Então, assim que estiver pronto e o serviço passar pela mudança física, o Abrigo Emergencial da Covid-19 será transferido e se tornará um Abrigo de Inverno com suporte de adequações para isolamento de pessoas que por ventura sentirem os sintomas do novo coronavírus (os mais comuns são febre, tosse seca e cansaço), e não mais funcionará na Praça do CEU. A expectativa é de que o local reformado deverá ser posto em funcionamento dentro de 30 a 40 dias. Obviamente que as pessoas sintomáticas receberão atendimento de profissionais da Secretaria da Saúde.
Centro POP na rua São Joaquim
A integralidade dos serviços da Assistência Social no Brasil está ligada à escuta igualitária para tratar problemas físicos e psicológicos, ao resgate dos vínculos sociais afetivos, à valorização do ser humano e à autonomia, com o intuito de restaurar pessoas e que sigam por novos rumos com dignidade, tornando-se, novamente, bem relacionadas e promissoras. Outra opção de respaldo em Lages é o Centro POP, montado em uma casa na rua São Joaquim, bairro Copacabana, com funcionamento de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h, com oferta de almoço, café da tarde e banho. Atendimento com assistente social e psicóloga, encaminhamento para expedição de documentação e para saúde, reconstrução do vínculo familiar, entre outros, assim como explica a diretora de Proteção Social Especial de Média Complexidade, Beatriz Josefina Paggi. No Centro POP existem trabalhos de entretenimento e ensinamentos sobre vários aspectos da vida.
Acolhimento POP na rua Frei Gabriel
Para pessoas que estão em situação de rua com os vínculos familiares rompidos existe o Acolhimento POP, situado na rua Frei Gabriel, bairro Universitário, com prestação de serviços 24 horas por dia, todos os dias da semana. São oferecidas quatro refeições (café da manhã, almoço, café da tarde e jantar), banho e pernoite, além da participação em atividades didáticas, de integração e reflexão, e oficinas.
Abordagem Social, um toque humanizado para quem precisa de ajuda
O Serviço de Abordagem Social (abordagem de pessoas em situação de rua em locais públicos) funciona de segunda a domingo, 24 horas por dia e também aparece como um dos braços da linha de frente da Secretaria da Assistência Social e Habitação.
O veículo oficial com os assistentes sociais percorre a cidade à procura de necessitados noite afora, e no inverno, com as temperaturas baixas, a tarefa é ainda mias intensificada. A conversa nas ruas serve como um primeiro bálsamo no atendimento: Olho no olho e entendimento, sem julgamentos. Os números para acionar o Serviço são 98406-2980 e 99921-1125.
A Defesa Civil atua prontamente e em parceria mútua nestes casos. Os números da Defesa Civil com funcionamento 24 horas por dia, todos os dias da semana, são 199 e 98406-4037.
Texto: Daniele Mendes de Melo
Fotos: Nathalia Lima
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