Situações como ameaça, negligência, maus tratos, cárcere privado e alienação parental devem ser imediatamente orientados da queixa para a resposta
Defender os próprios direitos não deve ter nada a ver com vitimização, fundamento válido para homens e mulheres. Todo ser humano, independentemente de gênero, luta diariamente para ser ouvido e respeitado em seus pontos de vista, sobretudo ter sua individualidade e suas escolhas pessoais e profissionais blindadas.
O Dia Internacional da Mulher alcança sua 111ª edição neste domingo, 8 de março. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), a violência contra a mulher é a violação de direitos humanos mais tolerada do mundo.
O Brasil registra uma mulher agredida a cada quatro minutos e uma morta a cada sete horas. Em 2019 houve aumento de 7,3% nos casos de feminicídio em comparação a 2018 no país, foram 1.314 mulheres mortas. Ou seja, a data remete ao embate contra a misoginia, machismo, intolerância, desigualdade em ambientes da sociedade, como trabalho e escola e feminicídio. Há pelo menos cinco tipos de violência: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial e econômica.
Pioneira no Estado de Santa Catarina e uma das únicas do Brasil, a Secretaria Municipal de Política para a Mulher, constituída em Lages em 2017, foi idealizada pela atual administração pública para corresponder à expectativa de providências sobre casos alarmantes de violência contra garotas e mulheres e da prevenção. Referências foram buscadas em uma das maiores cidades paranaenses, Londrina, onde são executadas tarefas semelhantes.
Em um panorama geral, os abusos geralmente ocorrem durante o relacionamento afetivo com o homem, surgem devagar e aparentemente despretensiosos e, de repente, o comportamento masculino muda totalmente e a intenção é fazer a mulher se sentir culpada pelas ações e reações. O processo de cura é árduo e se houver dependência financeira e/ou emocional, o quadro de pressão psicológica se expande.
Existente há três anos e dois meses, a Secretaria tem registrado em seu arquivo o atendimento a 419 mulheres (famílias), 267 acompanhamentos, 65 acompanhamentos de mulheres (famílias) atuais, 56 mulheres acolhidas na Casa de Apoio às Vítimas de Violência, 201 desligamentos por conta da conclusão do atendimento, e 102 atendimentos não caracterizados como violência de gênero. A Secretaria oferece todos os encaminhamentos para atendimentos: suporte psicológico, assistência social, saúde e escolar; apoio para serviços jurídicos; intermediação em compras de materiais escolares e em supermercados; auxílio aos filhos; resgate da autoestima; abrigo na Casa de Apoio; visitas de acompanhamento mesmo após o impasse ter encerrado; reuniões de possíveis conciliações, e outras atitudes. “Uma das premissas da administração, ao lado da defesa de crianças e idosos, a mulher é o centro das nossas atenções, e os mais de 400 atendimentos provam que fizemos a escolha certa. Um trabalho longo, contínuo, interminável, que deve ganhar força”, alega o prefeito Antonio Ceron.
Como defende a secretária municipal da pasta, Marli Nacif, é essencial um olhar humano e altruísta. “As mulheres entram por essa porta despedaçadas. Não somente com a aparência física prejudicada, mas a dignidade, a esperança, o amor próprio, sem rumo, com seus filhos pelos braços. Nós a entendemos perfeitamente e a nós foi atribuída a missão de ajudar até onde for nos permitido. E hoje podemos comemorar a diminuição do número de mulheres abrigadas na Casa de Apoio e celebrar a eficiência do serviço. A população precisa saber que a Secretaria existe e tem resultados reais, se preocupando em preparar meninas e meninos mais responsáveis para o futuro.”
Uma rede de apoio com engajamento de vários tipos de serviços públicos está estabelecida para receber a mulher em qualquer ocorrência de violência doméstica: Unidades Básicas de Saúde (UBSs); Unidade de Pronto-Atendimento (UPA); Centro de Estudo e Assistência à Saúde da Mulher (Ceasm); Vigilância Epidemiológica; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu); hospitais; instituições de ensino; Centros de Referência de Assistência Social (Crass) e Especializados (Creas); Conselho Tutelar; Corpo de Bombeiros; polícias Militar (PM) e Civil; Delegacia de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso (DPCAMI), e Instituto Geral de Perícias (IGP), entre outras.
E os homens agressores não são vistos de forma limitada, como apenas vilões destas histórias. A Secretaria dá atenção a esta causa e se une a outras medidas. Em 2019, foi executado um projeto piloto com homens envolvidos na prática de violência doméstica, para discussão e reflexão do assunto por homens agressores cumpridores de medidas protetivas, cuja participação deles é uma determinação judicial da 2ª Vara Criminal da Comarca de Lages. Esta é uma das práticas do Núcleo de Justiça Restaurativa. Já estão inscritos 16 homens para a primeira turma de 2020, com encontros a iniciarem ainda em março. Após a repercussão positiva e os efeitos surtidos, as reuniões serão ampliadas para duas vezes por semana.
O sentimento de posse e de controle sob a máscara da paixão e do amor
Ela é morena, estatura mediana, tem cabelos lisos e escuros, sorriso bonito e comunicação fluente, palavras bem articuladas. O que nos leva à convicção de uma mulher segura e livre de problemas? Não. A moça é uma das personagens de um enredo que poderia não ter acabado bem. Mas com a ajuda da Secretaria da Mulher, a garota corre atrás de um final feliz.
Uma das vítimas em Lages, em processo de retomada e transformação, é uma mulher de 30 anos. Denominada “Felicidade”, prenome fictício em razão do sigilo e proteção ao nome real. Felicidade foi atendida pela rede de apoio à mulher depois de denunciar um típico caso de abuso.
Embora ela tenha mantido um relacionamento relâmpago com um homem por apenas 22 dias ao final do ano de 2019, a impressão que se tem é de um período maior juntos, por conta das inúmeras situações de coibição da sua liberdade. Após conhecer o rapaz de 29 anos pelas redes sociais, Felicidade aos poucos foi passando por um ciclo de entrega sentimental e emocional. O sinal amarelo de alerta apareceu e ela foi se habituando a mudar sua história antes que pudesse ser tarde demais.
Ela morava em sua casa, toda mobiliada, sozinha, lá o seu xodó. Independente e autossuficiente, características da mulher da vida moderna do século 21. Entretanto, convencida pelo namorado, logo aceitou o convite para ir morar com ele e acabou vendendo móveis e outros pertences e objetos de dentro da própria moradia, pois ele dizia: “Você não precisar de nada disso lá, na minha casa tem tudo.” Ela não fazia ideia do pesadelo que estava prestes a atormentar os dias e noites de sua vida.
Desrespeito, dominação, reincidência
Sutilmente começaram os cerceamentos e gradativamente Felicidade recebia questionamentos sobre ter olhado para outras pessoas na rua, sobre amigos, trabalho, seus sonhos. Aos poucos parecia estar entrando em uma bolha de vidro, em um caminho sem volta.
Ciúmes, controle, manipulação, frieza. E o que era paixão e amor virou medo e angústia, impotência perante o poder. “Ele ia a todo lugar comigo. Não podia nem levar a sacola de lixo na lixeira lá fora que ele ia junto.” Aí vieram as agressões verbais com os xingamentos, até jogar coisas na parede e no chão, e as agressões físicas com empurrões e chutes. “Meu Deus, eu tenho que fazer alguma coisa. Eu não estava acostumada com aquela vida e não queria falar nada para a família ou buscar a polícia”, revela Felicidade, que já foi casada por 12 anos em um relacionamento anterior, e morou com outra pessoa por dois anos.
O parceiro saía e levava a chave do carro para ela não sair de casa ou então optava por levar a chave da residência e deixava a companheira trancada sem poder seguir sua vida. Outro exemplo de que suas conquistas eram diminuídas pelo companheiro permeia o seu trabalho. Afastada do serviço, Felicidade precisaria retornar às atividades em abril deste ano e, ao comentar sobre o assunto com o parceiro, ele logo disparou: “Você não precisa mais voltar a trabalhar. Mulher minha não trabalha fora.”
O cenário chegou à gravidade de ela não poder ir à empresa onde trabalhava para buscar uma cesta de final de ano com quitutes. “Não precisa disso, você não está morrendo de fome.” E assim, sem perceber, Felicidade ia se fechando e se mantendo em um caso de isolamento e anulação.
Escapar para viver
A mulher decidiu fugir desta condição, mas tinha medo do confronto e das consequências da reação a este tipo de cárcere privado. Com um pouco mais de coragem, ela decidiu sair de casa e encontrou abrigo nas casas do irmão e do primo em outras cidades e, depois, de uma amiga em Lages.
E com a equipe multiprofissional da Secretaria da Mulher, Felicidade encontrou acolhimento, empatia, alento e um abraço forte, apertado e demorado, sem julgamentos, e um olhar de compreensão. “Saí de casa só com a roupa do corpo para fugir. Eu estava muito abalada, aqui tive um abraço literalmente. Eu não conhecia a Secretaria, nem sabia que existia. As meninas da Secretaria foram super receptivas e foram até ele resgatar minhas coisas. Convenceram ele do meu direito de ter tudo de volta. Retomaram objetos pela conciliação. E sobre o que ele havia vendido, ele vai até a Secretaria levar o dinheiro parcelado.”
Passados poucos dias se levado em consideração todo o trauma profundo, Felicidade dá os primeiros passos para a superação e a busca por uma nova vida, longe do agressor, contra quem ela registrou um Boletim de Ocorrência (B.O.) e cumpridor de medida protetiva de distância de 150 metros pelo prazo de seis meses, prorrogáveis pelo mesmo período se necessário. “Eu ainda não estou preparada para recomeçar, mas vou conseguir”, confessa a jovem, uma das beneficiadas pelo aplicativo Botão do Pânico, da Rede Catarina de Proteção à Mulher, da Polícia Militar (PM), dispositivo acionado no caso de aproximação do agressor. Ele será submetido a sessões de psicoterapia oferecidas na Secretaria da Saúde.
Uma página da vida difícil de apagar, mas o exercício de bater a poeira e levantar é diário, até um dia o relógio atenuar as marcas. “Hoje eu me sinto uma mulher mais segura e aliviada. Mulheres, não se calem, ao menor sinal procurem ajuda, sejam vitoriosas.” Atualmente Felicidade mora em uma casa alugada pois, para sua segurança, a orientação é não voltar para sua residência, localizada perto do seu ex.
Participe da agenda na sexta e domingo
Na próxima sexta-feira (6 de março), a Diretoria de Trânsito (Diretran), através da iniciativa Educação de Trânsito, e as polícias Militar e Civil, com apoio da Secretaria da Mulher, irão promover a ação “Só Podia ser Mulher? Mulher na Direção, Segurança em Ação”, uma blitz educativa com entrega de adesivos da campanha do Dia da Mulher e trânsito. O evento acontecerá na rua Nereu Ramos, Centro, em frente ao Banco Santander, das 9h30min às 10h30min e das 14h30min às 15h30min.
No domingo (8 de março), instituições irão promover atividades alusivas à data do Dia Internacional da Mulher a partir das 14h no Parque Jonas Ramos (Tanque), entre as quais, a distribuição de 500 cartilhas intituladas “Violência contra Mulher - Denuncie”, elaborada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Lages (CMDM), realizada pela Câmara de Vereadores (Escola do Legislativo e Frente Parlamentar contra a Violência à Mulher), com apoio da prefeitura de Lages, através da Secretaria de Política para a Mulher. A cartilha traz um teste de risco e fluxogramas do Protocolo de Atenção às Vítimas de Violências em Lages, bem como inúmeras informações amplamente pertinentes. Em 10 de outubro é celebrado o Dia Nacional de Luta Contra a Violência à Mulher, e no Novembro Laranja, especificamente no dia 25, o Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher.
Como buscar ajuda?
A população pode denunciar sinistros a qualquer momento. O número do plantão da Secretaria de Política para a Mulher pode ser acionado sete dias por semana (dias úteis, finais de semana e feriados), com funcionamento 24 horas por dia: 98402-9413. Outros contatos são o número 180 (Central Nacional) ou o 190 (da Rede Catarina).
E para quem prefere procurar a Secretaria pessoalmente, o órgão da prefeitura está localizado na avenida Presidente Vargas, nº: 958, bairro Sagrado Coração de Jesus, ao lado da empresa Sens Automóveis, de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h sem interrupções. Contato: 3019-7454 ou politicadamulher@lages.sc.gov.br.
Texto: Daniele Mendes de Melo
Fotos: Nathalia Lima
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